OPINIÃO GAZETA DO POVO
Dignidade rural
Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, em 06/03/2013
Por Fernando Prioste, advogado popular e coordenador da Terra de Direitos
Dias atrás, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que alguns assentamentos do Incra são “quase favelas rurais”. Foi a deixa que os opositores dos movimentos sociais do campo queriam para enterrar a reforma agrária.
Contudo,
democraticamente a sociedade inscreveu na Constituição o marco legal da reforma
agrária. Assim, o dever de fiscalização do cumprimento da função social da
propriedade, e a consequente destinação das terras improdutivas, com danos
ambientais e violações às leis trabalhistas à reforma agrária, é decisão política
que a sociedade transformou em
lei. Logo, se a Constituição não for alterada, a reforma
agrária é política pública obrigatória.
Não
é apenas por determinação da Constituição que a reforma agrária deve ser
impulsionada. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), por exemplo, recomendam sua
realização como política pública para a erradicação da pobreza e efetivação de
direitos humanos como a alimentação adequada e a educação. Para esses órgãos, a
concentração fundiária e a ausência de políticas públicas de produção para a
agricultura familiar estão ligadas à pobreza e às desigualdades sociais.
Segundo
o Censo Agropecuário de 2006, o Brasil ocupa a segunda posição mundial na
concentração da terra, perdendo para o Paraguai. O índice de concentração
fundiária apurado em 2006 (0,872) aumentou ante aos apurados em 1985 (0,857) e
1995 (0,856). Até o ano de 1985 existiam 67 assentamentos de reforma agrária,
com 117 mil famílias assentadas, totalizando 9,8 milhões de hectares
incorporados à reforma agrária. Hoje existem 8.792 assentamentos, com 921 mil
famílias, totalizando 85 milhões de hectares. Logo, mesmo com a expansão de
assentamentos a concentração fundiária aumentou.
Por
outro lado, as demandas por infraestrutura e assistência técnica não são
exclusividade do MST. Também são reivindicações dos grandes produtores. A
diferença é que uns são bem atendidos nesses reclamos há 500 anos, outros não.
Que dizer do apoio histórico do Estado ao setor da cana-de-açúcar? As
reivindicações dos movimentos sociais buscam consolidar uma política pública
que, diferente daquelas assistencialistas, cria estruturas para a emancipação
socioeconômica.
Dados
do Censo de 2006 mostram que a agricultura familiar representa 84% dos
estabelecimentos rurais, ocupando apenas 24,03% das áreas cultivadas, assim
operando com renda cerca de dez vezes menor que os estabelecimentos da
agricultura não familiar. Ainda assim, segundo o IBGE, a agricultura familiar
produz a maior parte dos alimentos consumidos no mercado interno (60%), com 74%
do total da mão de obra ocupada no campo.
A
reforma agrária pressupõe a democratização do acesso à terra e estruturas que
viabilizem a produção. Logo, é impossível dizer que a reforma agrária não deu
certo, pois ela não ocorreu. Quem se opõe a esse processo democrático não tem
compromisso com a Constituição e fomenta o aumento da desigualdade social.
Ademais, se ainda há diversidade alimentar na mesa, agradeça a uma agricultora
familiar. Do contrário, contente-se em comer milho, soja e carne nas três
refeições.
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