sábado, 8 de outubro de 2011

NOTA PÚBLICA - sobre comentário do senador Reditário Cassol (PP-RO)


PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS

Sobre a sugestão do senador Reditário Cassol (PP-RO) de que sejam utilizados chicotes para o tratamento de pessoas em privação de liberdade no país, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República vem a público afirmar:

1 – A afirmação do senador é contraditória com a postura do Brasil, que é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como Estado parte das Nações Unidas e um país comprometido com os Direitos Humanos, o Brasil não pode adotar métodos medievais de tratamento a qualquer pessoa, esteja ela em privação de liberdade ou não. Isso está estabelecido pela Constituição Federal de 1988, lei maior do nosso país;

2 – Na última semana, a presidenta Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei que cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, compromisso assumido há quatro anos pelas principais democracias do mundo com a Organização das Nações Unidas. Esse sistema permitirá a constituição de uma base de dados com informações pormenorizadas a respeito das instituições fechadas do país, o que facilitará não apenas o seu monitoramento, mas também a elaboração e implementação de políticas públicas que contribuam para a garantia dos direitos básicos nesses estabelecimentos;

3 – É através de ações firmes e determinadas, com investimentos públicos e compromisso com os Direitos Humanos que conseguiremos oferecer um sistema prisional mais eficiente e humano no nosso país. É nesse sentido que o Governo Federal trabalha.


Brasília, 7 de outubro de 2011.

domingo, 11 de setembro de 2011

DIOCESE DE COROATÁ




Carta aberta

às autoridades federais, estaduais e municipais do Maranhão
e a todo o Povo da Diocese de Coroatá


Nós, o clero da Diocese de Coroatá, junto ao seu bispo, Dom Sebastião Bandeira Coelho, reunidos nos dias 05 e 06 de Setembro de 2011, na cidade de Cantanhede – MA, depois de termos refletidos a Palavra de Deus na frase do livro do profeta Ezequiel “Quanto a ti, eu te estabeleci como vigia da casa de Israel” (Ez 33,7), em que o profeta nos coloca como pastores que devem estar atentos na defesa do povo e não cúmplices e aliados dos que se aproveitam para realizar os seus interesses próprios, tratamos do doloroso assunto dos conflitos de terra e água, na nossa Diocese.
Diante do aumento da violência do latifúndio e agronegócio, que atinge dezenas de comunidades nos municípios da nossa Igreja de Coroatá, queremos juntar a nossa voz ao grito das comunidades que clamam por terra, justiça e cidadania.
Os Conflitos por terra e água, em nossa igreja local, envolvem diretamente 1.500 famílias, atingindo mais de 5.000 pessoas em 58 comunidades que vivem em situação de risco, ameaçadas de expulsão pelo latifúndio, de violência física e por ação de reintegração de posse, vivendo na insegurança e na espera da definição territorial, nos municípios de Codó, Timbiras, Peritoró, Alto Alegre, São Mateus, Cantanhede, Itapecuru-Mirim, Pirapemas, Arari, Vargem Grande e Presidente Vargas.
Questionamos o modelo de desenvolvimento, que visa unicamente o avanço econômico e fecha os olhos diante das conseqüências da destruição das famílias, do meio ambiente e do planeta todo.
Comprometemo-nos em ajudar a mudar o sistema oligárquico, no nosso estado e em muitos municípios, que trata o bem público como propriedade particular e consequentemente o coloca no último lugar do desenvolvimento humano do Brasil.
Vemos com preocupação que Projetos de Assentamentos - PAs são utilizados para o desvio de verbas, deixando os assentados abandonados e criando a opinião de que o modelo da reforma agrária não corresponde à necessidade do homem do campo.
Oferecemos de coração o nosso apoio e a nossa solidariedade ao povo sofrido que se organiza para defender os seus direitos.
Apoiamos as iniciativas da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em nível diocesano e regional, a Comissão dos Direitos Humanos da OAB e a Defensoria Pública do Estado que buscam justiça pelas vias legais.
Estamos unidos ao Acampamento Quilombola Negro-Flaviano, que está juntando o clamor organizado de Indígenas, Quilombolas, Assentados e Acampados de todo o Maranhão.
Apelamos às Autoridades constituídas, para que assumam ética e politicamente sua responsabilidade e seu compromisso na Defesa do Estado de Direito, ameaçado por tantas injustiças, arbitrariedades e ilegalidades.
Diante das inúmeras dificuldades, não podemos desanimar e nem perder a esperança, como São Paulo dizemos: "estamos em apuros, mas não desesperados, somos perseguidos, mas não desamparados, derrubados, mas não destruídos" (2 Cor. 4,8-9), porque contamos com a força da fé em Deus, na resistência dos pobres e sofredores e na solidariedade de tantas pessoas de boa vontade, que tem sede e fome de justiça.

 
Cantanhede, 06 de Setembro de 2011



Em nome do Clero e da Diocese
Dom Sebastião Bandeira Coêlho
Bispo Diocesano


Trav. Oscar Jansen, 158 - Cx. Postal 06
CEP 65415-000 - Coroatá - Maranhão - Brasil
Fones: (99) 3641 1469 (Res.) 3641 1425 (Cúria)
Fax: (99) 3641 1453 E-mail: dcoroata@coroatanet.com.br

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

 Preso, estudo, esperança
João Baptista Herkenhoff

Aplaudo com veemência a Lei 12.433, que possibilita o desconto de um dia de pena, em favor dos sentenciados, como prêmio para cada doze horas de freqüência escolar. Sancionada pela Presidente Dilma Roussef, esta lei resultou de um projeto do Senador Cristovam Buarque. Só mesmo um educador, que é hoje circunstancialmente senador, poderia ter sensibilidade para compreender o alcance social dessa iniciativa.A redução da pena através da prestação de trabalho pelo preso já era prevista em lei. A novidade agora é dar ao estudo o mesmo efeito. O benefício legal recebe, tecnicamente, o nome de remição da pena. A freqüência escolar, de acordo com a lei citada, pode ocorrer no ensino fundamental, médio (inclusive profissionalizante), de requalificação profissional e superior, tanto na modalidade presencial, quanto na modalidade de ensino à distância. Será permitido somar o tempo remido pelo trabalho ao tempo remido por via do estudo.Dante escreveu na Divina Comédia, obra clássica da Literatura mundial, que aqueles que ingressavam no Inferno deviam deixar no vestíbulo toda e qualquer esperança. De certa forma, o ingresso na prisão, quando essa é um inferno, como tantas vezes é, infunde no preso o mesmo sentimento de desespero.Se a educação é crescimento e escada para as pessoas em geral, no caso do preso educação é resgate da cidadania e da própria condição humana.Quando a prisão, em vez de redirecionar a vida do sentenciado, constitui fator de degradação da personalidade, deixa de constituir defesa social para assumir, na verdade, o papel de perigo social, pois a reincidência criminal é um grande peso para a sociedade. Afeta a vida e a segurança de milhões de brasileiros. Prevenir a reincidência através da educação é um serviço público de utilidade geral.A aprovação desta lei deve ser celebrada, como um avanço jurídico, mas não basta sua simples existência para que seus objetivos sejam alcançados. Há todo um trajeto a ser percorrido, em cada um dos Estados da Federação, em cada uma das comarcas espalhadas pelo Brasil afora, de modo a incentivar e possibilitar o acesso ao estudo para todos os presos que queiram utilizar esse caminho como porta de liberdade e de recuperação da essência de ser.Um papel fundamental nesta empreitada caberá ao Poder Judiciário, mas o Poder Executivo não pode faltar na tarefa que lhe caberá.Não posso tratar deste tema sem me lembrar da década de 1960 na comarca de São José do Calçado, onde fui Juiz de Direito durante quatro anos. Naquela cidade, com amplo apoio da comunidade, pudemos fazer funcionar a escola dos presos, ao lado da Cadeia Pública local. Maria de Lourdes Rezende Faria é o nome da professora que dava aula para os presos, sem receber um só centavo de remuneração. Ao final do primeiro dia de aula, Maria de Lourdes prescreveu, como se faz habitualmente nas escolas, o chamado “dever de casa”. Foi então que um preso inteligente e espirituoso perguntou: “Professora, dever de casa ou dever da cadeia?”

 

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor.E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br É livre a reprodução deste artigo, por qualquer meio ou veículo

terça-feira, 9 de agosto de 2011


                             NOTA PÚBLICA

O Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH) e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CRIAD), ambos em seu compromisso de defender a vida e nesse sentido se contrapor a toda e qualquer forma de violência, vem a público, consternado, manifestar profunda solidariedade às famílias das vítimas de violência no Espírito Santo, sobretudo aos familiares da criança de apenas três anos, Gilcimara Machado Partelli Guzzo, vítima de bala perdida no último domingo (07), quando passeava pela Praça Mesquita Neto, no Centro de São Mateus/ES, juntamente com sua mãe e sua irmã.

A tragédia que estamos emergidos, marcada pela descartabilidade da vida humana e fortemente vinculada a um excludente modelo de socialização das riquezas, exige de todos nós, sociedade e Estado, a construção de um novo paradigma de segurança pública.

Mais do que nunca, precisamos fortalecer as políticas de desarmamento – luta que vem sendo travada por ambos os Conselhos e Movimento de Direitos Humanos no Espírito Santo há tempos, sobretudo durante a Campanha Pelo Desarmamento realizada nas vésperas do Referendo de 2005. O fácil acesso a armas no Brasil ainda é uma realidade infeliz que merece maior atenção do Estado e da sociedade como um todo. A morte desta inocente criança é mais um trágico capítulo dessa história.

Dessa forma, conclamamos a todos e todas para que possamos enfrentar o fenômeno da violência construindo mecanismos que possibilitem o surgimento de uma cultura de paz, pautada no respeito aos direitos humanos.

Vitória/ES, 09 de agosto de 2011.


GILMAR FERREIRA DE OLIVEIRA
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos


ANDRÉ LUIZ MOREIRA
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

segunda-feira, 8 de agosto de 2011


01.08.2011
Pela sensibilização aos Direitos Humanos
Seminário realizado na Câmara reúne lideranças de vários movimentos sociais

 Direitos Humanos. Um termo amplo, mas que pode ser simplificado no óbvio: garantias fundamentais para uma existência com dignidade a todos. É lógico que isso ainda é muito pouco perto do que o movimento representa. Por isso que ontem (30), na Câmara Municipal de Cachoeiro, várias lideranças se reuniram para debater o tema e propor ações em parceria entre os poderes públicos e a sociedade civil organizada.
O Seminário de Sensibilização pelos Direitos Humanos começou um pouco depois das 8h00, horário marcado para o início das atividades. Estavam presentes representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); da Polícia Militar; e de vários outros Conselhos de Direitos Humanos do Município e do Estado. Quem coordenou o debate no período matutino foi o professor de filosofia, antropologia e ex-presidente do Conselho de Apoio aos Direitos Humanos (CADH), Pedro Bussinger.

Em sua fala, Bussinger fez um breve resgate histórico sobre o assunto e também fez algumas ponderações, relacionando teorias de filósofos diversos com a religião. “A instituição religiosa já violou os Direitos Humanos em vários aspectos. Mas a gente encontra respaldo na fé cristã para debater este assunto. Por isso é importante a participação de todos”, comentou o professor.
O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e secretário executivo do movimento pela erradicação da tortura, Gilmar Ferreira, destacou a importância do evento. “Estou feliz por estar em Cachoeiro debatendo um assunto tão importante para nossa sociedade. O que mais me chamou a atenção foi este seminário estar acontecendo na Câmara Municipal, com a sociedade ocupando as cadeiras dos parlamentares. Isso é fundamental no processo e demonstra que o poder público pode estar envolvido e engajado em Direitos Humanos”, disse Gilmar Ferreira.
O Coordenador do CDDH, Aristides Fonseca, disse que fundamental é cada um fazer a sua parte. “Muitas vezes, nos sentimos um grão de areia em meio a tantas situações. Mas é importante fazer a nossa parte, porque somada as ações do próximo, as coisas vão mudando aos poucos. O seminário tem esse objetivo: construir uma mentalidade sobre Direitos Humanos e enraizar isso nas pessoas que participam”, enfatizou Fonseca.
Na parte da tarde, a programação teve início às 14h00, com debates sobre a conjuntura política estadual e local, com a participação do professor e historiador José Pontes. Ao final, mesa de debate com as lideranças locais.
 http://www.aquies.com.br/site/conte...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

                     

                         CONVITE

O Centro de Defesa dos Direitos Humanos Regional Sul “Pedro Reis” e o Movimento Nacional de Direitos Humanos do Espírito Santo – MNDH-ES, tem a honra de CONVIDAR V.Sª, para participar do I SEMINÁRIO DE SENSIBILIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, com a participação de diversas organizações e presenças de autoridades públicas local e estadual.

O Encontro é um espaço que reúnem diversos atores, propicia intercâmbio de experiências, potencializa as demandas da sociedade civil e a avaliação das diversas ações implementadas em nível local, regional e nacional. Nele ainda se identificam os principais desafios de ações para o dia a dia.

Aspiramos e contamos com a participação dessa instituição comprometida com a efetivação dos direitos humanos em nossa cidade e estado nesse momento tão importante.

O evento acontecerá dia 30 de julho de 2011, das 8hs às 17hs, na Plenário da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim – ES

Contamos com a presença e renovamos nossas cordiais saudações.

 Atenciosamente;

                                Aristides Fonseca Filho
                             Pela Coordenação do  CDDH Pedro Reis

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Espíritas e católicos em fraterna comunhão


João Baptista Herkenhoff

Não sou espírita. Sou católico. Nasci numa família católica, em Cachoeiro de Itapemirim. Na infância e adolescência respirei um ambiente religioso que não transigia em questões dogmáticas. Só bem adiante é que surgiu João XXIII, o Papa que abriu o diálogo da Igreja Católica com todas as religiões e correntes de opinião.Vejo na doutrina espírita muita abertura para o próximo, generosidade. Creio que isto é a síntese do Cristianismo. Neste ponto parece-me que podem comungar católicos, espíritas, protestantes e ateus. Incluo seguramente ateus nesta desejada comunhão porque quem ama o próximo, tem paixão pela Justiça, sonha com um mundo de igualdade, esta pessoa vive a essência da Fé porque Fé é vida, e não explicitação verbal. Vejam bem. Eu não desconheço que há aqueles que optam consciente e racionalmente pelo Ateísmo. Respeito esta escolha. Apenas vislumbro a chama da Fé na vida de todo aquele que se consome no amor ao outro, indepentemente de uma subjetiva afirmação teísta. Se nos debruçarmos sobre os diversos municípios do meu Estado (Espírito Santo) para descobrir, em nossas cidades, instituições que se abrem para o próximo, que se condoem de presos e de prostitutas, que buscam encaminhar crianças, que se dedicam ao cuidado de seres humanos marcados por deficits físicos ou mentais, veremos que muitas dessas instituições, ou a maioria delas, são levadas avante por seguidores do Espiritismo. Acredito que o mesmo fato ocorra em outros Estados do Brasil.Segundo o relato bíblico, no julgamento final, Jesus Cristo não chamará as pessoas para o lado dos escolhidos, segundo um determinado timbre ou rótulo religioso, mas segundo as obras:“Vinde a mim, benditos de meu Pai, que me deste pão quando tive fome; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vetistes; enfermo e me visitastes; estava preso e viestes a mim”. Quando fui juiz de Direito, os desembargadores que melhor entenderam meu trabalho e minhas ações eram espíritas. Cito com reverência dois desses desembargadores: Carlos Teixeira de Campos e Mário da Silva Nunes. Foi graças ao apoio deles que consegui resistir. Uma decisão que proferi libertando uma pobre prostituta, envolvida com drogas, porque ela seria Mãe, tornou-se nacionalmente conhecida em razão da divulgação dessa sentença pela internet, num site espírita. Transcrevo a seguir um pequeno trecho do decisório. “É uma dupla liberdade a que concedo: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.”Os espíritas compadeceram-se de Edna e entenderam porque o juiz a libertou, ainda que, naquele momento histórico (1976), fosse a droga considerada, mesmo o simples consumo, um crime gravíssimo. Através de flagrantes de droga foram colhidos pela rede das prisões muitos opositores do regime politico então vigente.


João Baptista Herkenhoff, 75 anos, é professor aposentado da UFES e professor, em atividade, na Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e da União Brasileira de Escritores. Autor de: “”Filosofia do Direito” e “Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória”, ambos publicados por GZ Editora, Rio de Janeiro, em 2010 e 2009, respectivamente.E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br É livre a divulgação deste texto por qualquer meio ou veículo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Paulo Freire e a Educação Libertadora
João Baptista Herkenhoff


A Educação pode jogar um papel decisivo no crescimento da cidadania, na formação da consciência da dignidade humana e, num estágio mais avançado, na consciência da grandeza de todos os seres, como expressão cósmica da Criação, como ensina Frei Leonardo Boff.
Um projeto de Educação Popular deve orientar-se numa linha de educação libertadora.
A propósito, cremos que permanece absolutamente válida a reflexão de Paulo Freire. A proposta desse educador brasileiro, internacionalmente respeitado, foi depois enriquecida por muitos pensadores e pela prática militante de educadores populares.
A educação não é uma doação dos que julgam saber aos que se supõe nada saibam.
Deve ser recusada, como acanhada, a concepção que vê o educando como arquivista de dados fornecidos pelo educador.
Rejeite-se, por imprestável, a passividade do educando, na dinâmica do processo educacional.
Diga-se "não" à educação paternalista, ao programa imposto, ao ritmo pré-estabelecido, à auto-suficiência do educador.
Tenha-se presente, como absolutamente atual, o anátema de Paulo Freire à visão da palavra como amuleto, independente do ser que a pronuncia. Esteja-se atento ao seu libelo contra a sonoridade das frases, quando se esquece que a força da palavra está na sua capacidade transformadora.
A educação libertadora vê o educando como sujeito da História. Vê na comunicação "educador-educando-educador” uma relação horizontal. O diálogo é um traço essencial da educação libertadora. Todo esforço de conscientização baseia-se no diálogo, na troca, nas discussões.
A humildade é um pré-requisito ético do educador que se propõe a ajudar no processo de libertação pela educação.
A educação libertadora busca desenvolver a consciência crítica de que já são portadores os educandos. Parte da convicção de que há uma riqueza de ideias, de dons e de carismas na alma e no cotidiano dos interlocutores.
O projeto final da educação libertadora é contribuir para que as pessoas sejam agentes de transformação do mundo, inserindo-se na História. Para isto é preciso que as pessoas decifrem os aparentes enigmas da sociedade. Os marginalizados devem refletir sobre sua situação miserável e anti-humana. Devem identificar os mecanismos sócio-econômicos responsáveis pela marginalização e pela negação de humanidade. Devem buscar os caminhos para mudar as situações de opressão.
O mundo não é uma realidade estática mas uma realidade em transformação. Somos os arquitetos do mundo. O fatalismo é uma posição cômoda, mas falsa.
Educandos e educadores, na perspectiva da educação libertadora, vão buscar juntos as chaves para transformar o mundo.


 
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Autor do livro Direitos humanos – uma ideia, muitas vozes (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

terça-feira, 17 de maio de 2011

   Pedro Reis

    Pedro Correia Reis, conhecido como líder operário, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, em 1º de agosto de 1906, filho do sapateiro João Corrêa Reis e Bibiana Paula dos Reis.
Começou a trabalhar aos 06 anos, em casa com o pai. Com a família numerosa, 15 irmãos, todos precisavam trabalhar para ajudar na manutenção da casa. Aos 12 anos, empregou-se no Asilo “Deus, Cristo e Caridade”, dirigido por Jerônimo Ribeiro,onde passou a residir. Aprendeu a ler e escrever na Associação Espírita Beneficente Instrutiva. Aprendeu o ofício de barbeiro e de pedreiro, preferindo a segunda profissão. No asilo, conheceu a órfã Izaltina Farias, com quem se casou e teve quinze filhos.Posteriormente, o casal, ambos religiosos, adotaram mais sete ( 04 netos e 03 órfãos).
Pedro Reis sempre gostou de ler. Lia revistas políticas, jornais e boletins do Partido dos Trabalhadores e com maior freqüência, o livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec.
A formação ideológica de Pedro Reis se deu a partir da troca de idéias com homens como Raul Paiva, José Bento, José Cocco e outros. Como pessoa pouco letrada, sempre tirava proveito dos encontros para enriquecer seus conhecimentos. Referente ao seu engajamento no movimento sindical, afirmou: “ sempre repudiei o egoísmo e a usura. Fui impelido a me posicionar no movimento operário, não como salvador do mundo, ou da classe operário, mas no intuito de poder ajudar, pelo menos a um companheiro trabalhador”. Pedro Reis sempre procurou dar o melhor de si para o fortalecimento das classes trabalhadoras, para que pudessem libertar-se da opressão e da exploração a que são submetidas.
Exerceu grande liderança junto ao operariado cachoeirense. Foi um dos fundadores do Sindicato da Construção Civil e do Mobiliário. Trabalhou como pedreiro na construção da sede. Como líder, patrocinou greves. Na greve da Serraria Industrial de 1952, esteve presente e lutou pelo aumento do salário dos empregados. Participou do movimento da Aliança Nacional Libertadora, de 1935 e do confronto entre integralistas e comunistas. Segundo ele, não eram os comunistas que estavam contra os integralistas, era o povo.
Em 1952, participou da homenagem a Luiz Carlos Prestes. A manifestação foi interrompida por um pelotão do Exército, que efetuou a prisão de Pedro Reis e de alguns companheiros. As casas deles foram vasculhadas e eles foram para a cadeia e ali ficaram durante 03 horas. Qualquer greve operária, passeata ou movimento de trabalhadores, podia ser motivo para que fosse preso. Assim, aconteceram várias vezes.
Em 1964 foi preso com Kleber Massena, Gildo Machado e Guilherme Tavares. Em Vitória, ao ser interrogado, quando disse que tinha 22 filhos e ainda não era espírita porque não tinha chegado à perfeição, o capitão que o ouvia afirmou: “È uma injustiça este homem estar aqui. Podem dispensá-lo, não tem nenhuma nocividade”. Pedro Reis então voltou para Cachoeiro.
Pedro Corrêa Reis filiou-se ao Partido Comunista em 1922, filiação que foi anulada com sua entrada no Partido dos Trabalhadores. Para Pedro Reis os maiores inimigos do operário brasileiro são a UDR, que têm assassinado muitos líderes sindicais e camponeses e, os industriais e capitalistas que negam aos trabalhadores o salário real e que Têm direito patrocinar uma vida digna.
Sua opinião a respeito das mudanças no leste europeu, é taxativa: “ socialismo é socialismo, e se alguma coisa mudar, deixa de ser socialismo. Não interessa regimes importados, apenas um socialismo democrático, com o trabalhador no podre, desvinculado do capitalismo explorador”.
Sustentou até à morte as mesmas idéias da mocidade e afirmou: “Vale a pena lutar. Não devemos ficar de braços cruzados.
Foi o primeiro candidato a prefeito pelo Partido dos Trabalhadores e sonhou e lutou até o fim por um Brasil livre, sem desigualdades sociais. Acreditou que um novo mundo é possível.
Morreu em 17 de abril de 1993, afirmando nunca ter se arrependo de ter participado dos movimentos que viessem trazer benefícios para os trabalhadores e deixou marcada profundamente na memória dos o que conheceram a seguinte frase: “ Lutar, jamais será em vão”.
Joana Darck Caetano

Boa parte do histórico foi extraído do livro “Memória de Cachoeiro – quem faz a nossa cidade” de Paulo Estelita Herkenhoff


segunda-feira, 9 de maio de 2011

 Direito e Poesia

João Baptista Herkenhoff

O encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil, embora o Direito e a Poesia sejam vizinhos, embora a Poesia engrandeça o Direito, como tentaremos provar neste texto. Frequentemente ao Direito pede-se ordem. A Poesia alimenta-se da transgressão. Em muitos casos, entretanto, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão. Que são os movimentos de desobediência civil senão a transgressão coletiva das leis? Foi essa a estratégia de que se utilizaram Nelson Mandela e Martin Luther King, na luta contra a segregação racial (na África do Sul e nos Estados Unidos). Que é, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) senão a busca do direito à terra, ao trabalho, à sobrevivência, rompendo um suposto pacto social. Pacto social apenas suposto, não um pacto efetivo porque representado por leis protetoras de um direito ou quase absoluto de propriedade, interpretadas de maneira positivista pelos tribunais. Mesmo quando a propriedade não cumpre sua finalidade social, nas balizas desse pacto, tolera-se com indiferença o desvio.

Viva a liberdade dos poetas, no seu cântico:
“Nunca haverá fronteira na vida de um poeta. Sua bandeira é de luz, sua justiça é correta. Se errarem ele protesta.” (Silas Correia Leite).

Mas mesmo o Poeta, cuja missão deve ser o anúncio dos mais altos ideais, pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando há esse esquecimento, quando a Poesia não cumpre o seu papel, merece reprovação. E como é belo quando quem reprova o poeta é o Poeta, como nestes versos de um dos maiores a poetar em Língua Portuguesa:

“Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).

Charles Chaplin, com sua profunda sensibilidade de Artista, puxa a orelha do jurista que se divorcia das angústias humanas: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!"

Poesia é substantivo feminino. Direito é substantivo masculino.

Há uma preponderante presença do masculino no Direito, a começar pela prevalência de homens nas funções judiciais. Só recentemente mulheres ascenderam aos tribunais, e mesmo assim, em total desproporção à presença de homens nessas casas.

Como escreveu Marita Beatriz Konzen,

“não há que se falar em estado democrático, enquanto não eliminarmos as gritantes diferenças sociais, dentre as quais, a desigualdade de sexos.”

A sensibilidade não é virtude exclusivamente das mulheres. Também os homens podem ser sensíveis, enquanto nem sempre as mulheres são portadoras de sensibilidade.

Mas, em termos globais, por critérios de totalidade, acredito que a Justiça seria mais sensível se abrigasse, nos seus quadros, uma presença mais significativa de juízas.

Utopia, Paz, Participação, Igualdade, Anistia são palavras femininas que apontam para o ideal de uma sociedade fraterna.

Racismo, preconceito, imperialismo, nepotismo, arbítrio são palavras masculinas que direcionam a sociedade para a exclusão e a injustiça.

O conselho de Eduardo Couture, dirigido aos juristas, deveria ser estampado nos fóruns: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".O conflito entre lei (com letra minúscula mesmo) e Justiça (com letra maiúscula sempre) é uma constante no espírito do Juiz.

Creio que deva prevalecer a Justiça.

Trabalhar com a pauta da lei para encontrar a Justiça é uma tarefa difícil.

Porém, por mais difícil que seja a tarefa, essa busca é obrigatória.

Reprovo, com veemência, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendendo que o mérito ou demérito dos magistrados seja aquilatado pelo ajustamento de suas sentenças à jurisprudência dos tribunais superiores.

Quem renova o Direito é o juiz de primeiro grau, rente à vida.

Só o juiz de primeiro grau pode auscultar o ser humano, da mesma forma que só o médico pode auscultar o coração e o pulmão do paciente.

Os tribunais, como disse Eliézer Rosa, são sempre tribunais de ausentes porque nunca têm diante de si pessoas, mas apenas autos, papéis, argumentos.

Só a contemplação pessoal dos rostos e dos dramas humanos, que transparecem nesses rostos, pode permitir ao juiz humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei suba às esferas da Poesia.



João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), conferencista Brasil afora e escritor. Autor de Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória (GZ Editora, Rio).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br



É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículoDireito e Poesia

João Baptista Herkenhoff



O encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil, embora o Direito e a Poesia sejam vizinhos, embora a Poesia engrandeça o Direito, como tentaremos provar neste texto. Frequentemente ao Direito pede-se ordem. A Poesia alimenta-se da transgressão. Em muitos casos, entretanto, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão. Que são os movimentos de desobediência civil senão a transgressão coletiva das leis? Foi essa a estratégia de que se utilizaram Nelson Mandela e Martin Luther King, na luta contra a segregação racial (na África do Sul e nos Estados Unidos). Que é, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) senão a busca do direito à terra, ao trabalho, à sobrevivência, rompendo um suposto pacto social. Pacto social apenas suposto, não um pacto efetivo porque representado por leis protetoras de um direito ou quase absoluto de propriedade, interpretadas de maneira positivista pelos tribunais. Mesmo quando a propriedade não cumpre sua finalidade social, nas balizas desse pacto, tolera-se com indiferença o desvio.

Viva a liberdade dos poetas, no seu cântico:

“Nunca haverá fronteira na vida de um poeta. Sua bandeira é de luz, sua justiça é correta. Se errarem ele protesta.” (Silas Correia Leite).

Mas mesmo o Poeta, cuja missão deve ser o anúncio dos mais altos ideais, pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando há esse esquecimento, quando a Poesia não cumpre o seu papel, merece reprovação. E como é belo quando quem reprova o poeta é o Poeta, como nestes versos de um dos maiores a poetar em Língua Portuguesa:

“Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).

Charles Chaplin, com sua profunda sensibilidade de Artista, puxa a orelha do jurista que se divorcia das angústias humanas: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!"

Poesia é substantito feminino. Direito é substantivo masculino.

Há uma preponderante presença do masculino no Direito, a começar pela prevalência de homens nas funções judiciais. Só recentemente mulheres ascenderam aos tribunais, e mesmo assim, em total desproporção à presença de homens nessas casas.

Como escreveu Marita Beatriz Konzen,

“não há que se falar em estado democrático, enquanto não eliminarmos as gritantes diferenças sociais, dentre as quais, a desigualdade de sexos.”

A sensibilidade não é virtude exclusivamente das mulheres. Também os homens podem ser sensíveis, enquanto nem sempre as mulheres são portadoras de sensibilidade.

Mas, em termos globais, por critérios de totalidade, acredito que a Justiça seria mais sensível se abrigasse, nos seus quadros, uma presença mais significativa de juízas.

Utopia, Paz, Participação, Igualdade, Anistia são palavras femininas que apontam para o ideal de uma sociedade fraterna.

Racismo, preconceito, imperialismo, nepotismo, arbítrio são palavras masculinas que direcionam a sociedade para a exclusão e a injustiça.

O conselho de Eduardo Couture, dirigido aos juristas, deveria ser estampado nos fóruns: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".O conflito entre lei (com letra minúscula mesmo) e Justiça (com letra maiúscula sempre) é uma constante no espírito do Juiz.

Creio que deva prevalecer a Justiça.

Trabalhar com a pauta da lei para encontrar a Justiça é uma tarefa difícil.

Porém, por mais difícil que seja a tarefa, essa busca é obrigatória.

Reprovo, com veemência, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendendo que o mérito ou demérito dos magistrados seja aquilatado pelo ajustamento de suas sentenças à jurisprudência dos tribunais superiores.

Quem renova o Direito é o juiz de primeiro grau, rente à vida.

Só o juiz de primeiro grau pode auscultar o ser humano, da mesma forma que só o médico pode auscultar o coração e o pulmão do paciente.

Os tribunais, como disse Eliézer Rosa, são sempre tribunais de ausentes porque nunca têm diante de si pessoas, mas apenas autos, papéis, argumentos.

Só a contemplação pessoal dos rostos e dos dramas humanos, que transparecem nesses rostos, pode permitir ao juiz humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei suba às esferas da Poesia.



João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), conferencista Brasil afora e escritor. Autor de Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória (GZ Editora, Rio).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br



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terça-feira, 26 de abril de 2011

Eu confio em você
João Baptista Herkenhoff

Histórias antigas podem servir para reflexão nos tempos atuais. Jovens com menos de 25 anos entendem isto muito bem. Demonstram mais interesse por relatos do passado do que as pessoas que estão na segunda idade. Os extremos da vida – jovens e velhos – encontram uma grande sintonia.

Há muitos anos passados um empregado da antiga companhia telefônica do Espírito Santo foi preso com uma quantidade grande de tóxico. Devido à quantidade, o flagrante policial foi lavrado como tráfico de drogas. Comparecendo a minha presença, no fórum de Vila Velha (ES), o indiciado alegou que comprava uma quantidade maior de entorpecente para não sofrer exploração no preço. Era, entretanto, apenas usuário e só fumava nos fins de semana.

Acreditei de imediato no preso. Juiz calejado no ofício conhece quem fala a verdade e quem mente. Mas era preciso que viessem para os autos os documentos comprobatórios do que o preso me dizia. O processo é público, a Justiça é hierarquizada, os atos do Juiz estão sujeitos a reexame do Tribunal. Não basta que o juiz esteja pessoalmente convencido de um fato para que esse convencimento dê embasamento a sua decisão. É preciso também que os elementos para a decisão estejam dentro do processo. Expliquei tudo isso ao preso, determinei que fosse aberta vista dos autos à Defesa para as alegações preliminares e a juntada dos documentos necessários e fiz constar do assentamento todos estes detalhes.

O diligente advogado, já no dia seguinte, dava entrada no seu petitório, acompanhado da documentação adequada. A condição de homem honesto, chefe de família, estimado no seu círculo de convivência, todas essas qualidades positivas do preso ficaram provadas. Determinei sua volta imediata a minha presença.

Sempre acreditei e até hoje acredito no poder da palavra. Aquele momento era importante demais para ser um momento burocrático. Pedi ao preso que se levantasse e encarando-o, eu o chamei pelo seu prenome e disse: “Fulano, eu confio em você”. Ele respondeu firmemente: “Pode confiar, doutor.”

Concedi-lhe então liberdade, através de despacho oral. Oficiei à empresa pedindo que não o dispensasse. O ofício foi discutido na diretoria. Alguns alegavam que para cada vaga de trabalho havia uma dezena de candidatos, a empresa não tinha motivo para manter maconheiros nos seus quadros. Outros ponderaram que se tratava de um pedido do juiz e que assim devia ser acolhido. Prevaleceu a opinião favorável à manutenção do empregado.

Alguns anos depois, quando realizei uma pesquisa universitária sobre prisão e liberdade, a pessoa beneficiada pela oportunidade concedida voltou a minha presença para ser ouvido, pois a pesquisa consistia justamente em verificar o êxito ou fracasso de medidas alternativas ao aprisionamento.

Depois de responder todas as perguntas que lhe foram feitas, o antigo suposto traficante abre uma caixinha e retira dela uma medalha de “honra ao mérito”, outorgada a sua pessoa quando completou dez anos de casa. Entrega-me a medalha dizendo: “Doutor, esta medalha lhe pertence. Se naquela tarde eu tivesse ficado preso, garanto ao senhor que viraria um bandido.” Quis recusar a oferta, mas ele disse, peremptoriamente, que não voltaria para casa com a medalha. Está comigo até hoje, guardada num lugar especial.
 
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e palestrante Brasil afora. Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).

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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Direitos Humanos: a responsabilidade dos intelectuais

João Baptista Herkenhoff

Creio que a Cultura tem um compromisso com a defesa dos valores humanistas. Penso que o escritor, o jornalista, o professor, o jurista, o profissional liberal, direta ou indiretamente, de forma aberta ou de forma sutil, tem, como missão de seu ofício, a afirmação da Ética e a denúncia de toda forma de opressão ou degradação do ser humano.

Sei que o tema é controverso. Vozes respeitáveis opõem-se a este posicionamento. Entretanto, o que expresso aqui é o que minha consciência aponta como sendo o caminho certo.

Os Direitos Humanos constituem uma conquista na longa e muitas vezes penosa caminhada da Humanidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é documento fundamental, como expressão desta caminhada. Mas não foi uma obra instantânea, nem foi produto de um círculo reduzido de pensadores europeus e norte-americanos. Muito pelo contrário, recepcionou um patrimônio de ideias construído, ao longo do tempo, por uma grande multiplicidade de culturas, embora não tenha ouvido plenamente todas as expressões anteriores de Humanismo.

De tudo se conclui que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto da mais alta relevância, mas não monopoliza os ideais presentes na História e no grito de Justiça de homens e mulheres, sobretudo daqueles que, por qualquer circunstância, se encontrem numa situação de opressão.

A ideia de Direitos Humanos é fundamental para a vida brasileira de hoje. Negações de humanismo estão presentes no nosso cotidiano: desde as grandes negações, como aquelas que marginalizam parcela ponderável do povo, até negações a varejo como, por exemplo, a ausência de atendimento médico urgente e adequado a pessoas em grave estado de doença.

Entendemos que sejam princípios cardeais de Direitos Humanos aqueles estatuídos pela Declaração Universal aprovada pela ONU e aqueles que constam de proclamações outras. Dentre estas podem ser citadas a Carta Universal dos Direitos dos Povos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. Essa enumeração não exclui a relevância de documentos que busquem, nas mais diferentes situações e lugares, afirmar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Do conjunto de documentos colhemos certas ideias que podem ser definidas como Direitos Humanos fundamentais. Dentre outros, arrolamos como Direitos fundamentais da pessoa humana os seguintes:

a) a dignidade de todos os seres humanos, sem exceção;

b) o sentido de igualdade de todas as pessoas e a recusa aos privilégios;

c) a exigência de condições sociais concretas que efetivem a igualdade, de modo que não seja uma promessa vã;

d) a proscrição de todos os preconceitos e exclusões;

e) a proscrição de todas as marginalizações sociais;

f) a proscrição da tortura e a afirmação dos direitos do preso;

g) a repulsa a todas as formas de escravidão;

h) o sentido de Justiça, na sua maior amplitude;

i) o direito de todos à proteção da lei, o direito de asilo, a condenação da prisão arbitrária e o reconhecimento do direito de acesso amplo aos tribunais;

j) o direito à privacidade e à inviolabilidade da correspondência, da honra, da família e da casa ou do lugar onde alguém se abrigue;

k) os valores democráticos;

l) a defesa da vida;

m) a liberdade de consciência, crença, expressão do pensamento, difusão de ideias sem sujeição a censura e todas as demais liberdades;

n) o direito dos povos a relações de Justiça, no campo internacional, com eliminação de todas as formas de opressão e colonialismo, inclusive colonialismo econômico;

o) os direitos das mais diversas minorias, no seio das sociedades globais;

p) o direito à educação e à cultura;

q) a dignidade do trabalhador e a primazia do trabalho como fator criador da riqueza;

r) a paz e a solidariedade internacional;

s) a fraternidade e a tolerância.

Estes são ideais conhecidos e rebatidos. Mas infelizmente esquecidos. Por esta razão devem ser relembrados e também partilhados com irmãos próximos ou longínquos, acima das tênues fronteiras confessionais.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia Cachoeirense de Letras, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e palestrante Brasil afora. Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio, 2010).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Nota de Pesar - Defensor de DH é assassinado em Tocantins

    28-Fev-2011                                      
É com o mais profundo pesar e a mais profunda consternação que o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) registra o assassinato, no Estado de Tocantins, do advogado Sebastião Bezerra da Silva, coordenador do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia (TO) e secretário do Regional Centro-Oeste do MNDH.
 
O corpo de Sebastião Bezerra da Silva, 40 anos, foi encontrado na madrugada desta segunda, 28 de fevereiro, na fazenda Caridade, em Dueré, sul do Estado.
 
Sebastião Bezerra da Silva foi torturado antes de ser morto e o assassino ou os assassinos tentaram enterrar apressadamente seu corpo.

Neste momento de dor e de pesar, o Movimento Nacional de Direitos Humanos vem solidarizar-se com a família de Sebastião Bezerra da Silva e com todos os seus companheiros do Regional Centro-Oeste do MNDH.


Desde o momento em que soube do acontecido, o MNDH vem acompanhando pormenorizada e intensivamente as informações a respeito do assassinato.
 
Confiamos que as autoridades policiais do Estado de Tocantins realizem um trabalho diligente na apuração dos fatos, e confiamos, igualmente, na transparência das investigações para que este crime contra um defensor dos Direitos Humanos não fique impune.


Brasília-DF, 28 de Fevereiro de 2011.

Coordenação Nacional do MNDH





terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Conselho Episcopal de Pastoral – 25ª Reunião Brasília – DF, 15 a 17 de fevereiro de 2011


P – Nº 0131/11

NOTA DA CNBB SOBRE ÉTICA E PROGRAMAS DE TV

Têm chegado à CNBB diversos pedidos de uma manifestação a respeito do baixo nível moral que se verifica em alguns programas das emissoras de televisão, particularmente naqueles denominados Reality Shows, que têm o lucro como seu principal objetivo.

Nós, bispos do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), reunidos em Brasília, de 15 a 17 de fevereiro de 2011, compreendendo a gravidade do problema e em atenção a esses pedidos, acolhendo o clamor de pessoas, famílias e organizações, vimos nos manifestar a respeito. Destacamos primeiramente o papel desempenhado pela TV em nosso País e os importantes serviços por ela prestados à Sociedade. Nesse sentido, muitos programas têm sido objeto de reconhecimento explícito por parte da Igreja com a concessão do Prêmio Clara de Assis para a Televisão, atribuído anualmente.

Lamentamos, entretanto, que esses serviços, prestados com apurada qualidade técnica e inegável valor cultural e moral, sejam ofuscados por alguns programas, entre os quais os chamados reality shows, que atentam contra a dignidade de pessoa humana, tanto de seus participantes, fascinados por um prêmio em dinheiro ou por fugaz celebridade, quanto do público receptor que é a família brasileira.

Cônscios de nossa missão e responsabilidade evangelizadoras, exortamos a todos no sentido de se buscar um esforço comum pela superação desse mal na sociedade, sempre no respeito à legítima liberdade de expressão, que não assegura a ninguém o direito de agressão impune aos valores morais que sustentam a Sociedade.

Dirigimo-nos, antes de tudo, às emissoras de televisão, sugerindo-lhes uma reflexão mais profunda sobre seu papel e seus limites, na vida social, tendo por parâmetro o sentido da concessão que lhes é dada pelo Estado.

Ao Ministério Público pedimos uma atenção mais acurada no acompanhamento e adequadas providências em relação à programação televisiva, identificando os evidentes malefícios que ela traz em desrespeito aos princípios basilares da Constituição Federal (Art. 1º, II e III).

Aos pais, mães e educadores, atentos a sua responsabilidade na formação moral dos filhos e alunos, sugerimos que busquem através do diálogo formar neles o senso crítico indispensável e capaz de protegê-los contra essa exploração abusiva e imoral.

Por fim, dirigimo-nos também aos anunciantes e agentes publicitários, alertando-os sobre o significado da associação de suas marcas a esse processo de degradação dos valores da sociedade.

Rogamos a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, luz e proteção a todos os profissionais e empresários da comunicação, para que, usando esses maravilhosos meios, possamos juntos construir uma sociedade mais justa e humana.

Brasília, 17 de fevereiro de 2011


Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana

Presidente da CNBBDom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus

Vice-Presidente da CNBB 
Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB
SE/Sul - Q. 801 - Conj. “B” - CEP 70401-900 - Caixa Postal 02067 - CEP 70259-970 - Brasília-DF - Brasil - Fone: (61) 2103-8300/2103-8200 - Fax: (61) 2103-8303


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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

 Terça-Feira, 25 de janeiro de 2011


16.01.11 - MUNDO

O amor incondicional contra a intolerância

Marcelo Barros *


Adital -


Há um ano, uma vasta região do Haiti era destruído por um terremoto que matou milhares de pessoas e deixou o país devastado. O Haiti, já secularmente vítima da dominação estrangeira e da corrupção política, agora, sofre mais ainda para se reerguer. De todas as imagens terríveis que feriram a sensibilidade das pessoas solidárias, certamente, uma das mais chocantes foi ouvir George Samuel Antoine, cônsul do Haiti, dizer na televisão que aquela tragédia tinha se abatido sobre o seu país como castigo divino porque o povo praticava o Vodu e tinha feito um pacto com o demônio para se tornar politicamente independente. Para aquele diplomata, o povo negro do Haiti só conseguiu se libertar da escravidão francesa e depois da dominação norte-americana porque se aliou ao demônio. A Teologia da Libertação descobre em todo verdadeiro processo de libertação o Espírito Divino está presente e atuante. Ao contrário, o sistema opressor parece insistir que é mais de Deus quem se deixa escravizar.

Ainda bem que, nestes dias, no Brasil, não surgiu ninguém que tente explicar com argumentos religiosos as inundações e tantas vítimas fatais de deslizamentos de morros no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Talvez no seio de suas congregações, ainda há pastores e mesmo um ou outro padre católico arautos de uma divindade capaz de assassinar pessoas inocentes somente para impor sua vontade e seus preceitos a uma humanidade descrente. De fato, pesquisas revelam: em um mundo inseguro e sem referências éticas claras, os movimentos religiosos que mais crescem são os mais fanáticos e fechados em seu dogmatismo. Eles agrupam principalmente jovens e pessoas carentes de segurança interior e institucional. Tanto grupos cristãos, como muçulmanos, judeus e hindus fundamentalistas pensam que Deus assinou um contrato de exclusividade com eles e só a sua religião, Igreja ou grupo detém a verdade e o direito de existir.

No Brasil, este tipo de fenômeno tem provocado discriminações e até perseguições a alguns grupos espirituais, como por exemplo, comunidades de tradição afro-descendente. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as tradições religiosas, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se pregam a intolerância e se combatem as religiões negras.

No início do ano de 2000, no Rio de Janeiro, Mãe Gilda, sacerdotisa do Candomblé, viu duas vezes o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neo-pentecostal. Estas invadiram o lugar e destruíram os assentamentos dos Orixás. E no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda viu estampada no jornal "A Folha Universal", uma foto sua com a legenda: "Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos clientes". Ao ver aquilo, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para que não se repitam mais fatos como este, em 2007, o presidente Lula assinou uma portaria determinando que, a cada ano, 21 de janeiro seja considerado o "Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa".

É claro que para acabar com a intolerância cultural e religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso transformarmos interiormente o processo da fé. Muitas confissões religiosas ainda confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Por isso absolutizam seus dogmas e tendem a se fechar em certo autoritarismo fundamentalista, inclusive as que parecem mais liberais. Daí, facilmente, se justificam conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 Igrejas evangélicas e ortodoxas, pediu às Igrejas uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.

Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade, mas uma graça divina e uma bênção para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que este diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro e se abrir ao que Deus nos revela, não somente a partir de nossa própria tradição, mas do caminho religioso do outro. Para esta abertura pluralista e para o diálogo daí decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: "Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Dêem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer" (1).


Nota:(1) AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João 26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l'Église32- dez. 1988, capa.


* Monge beneditino e escritor