Democracia e corrupção
João
Baptista Herkenhoff
Naqueles
momentos, que infelizmente são cíclicos na vida brasileira, em que grandes
escândalos administrativos e financeiros ocupam o noticiário, seja o noticiário
nacional, sejam os noticiários locais, podemos ser tentados a colocar em cheque
a validade do sistema democrático.
No
entanto, os desvios de conduta, ao que sinto, não existem como consequência da
Democracia. O sistema democrático, especialmente a liberdade de imprensa,
apenas torna públicos os atos desonestos.
Impõe-se
fazer um balanço geral de nosso modelo democrático. Há vícios que estão na
própria raiz do sistema. O debate não pode ficar circunscrito aos políticos. A
sociedade civil organizada tem de exigir participação efetiva na discussão e
presença eficaz nas estruturas de poder.
A
quebra das artimanhas da corrupção, a superação dos vícios que desnaturam os
fundamentos da Democracia, tudo isso só será alcançado através de intensa
mobilização popular.
Num
grande esforço nacional pela construção da Democracia creio que um papel
relevante cabe à Universidade, vista como instituição que deve estar a serviço
do povo. É imperativo que a instância universitária, em comunhão com a
sociedade, discuta e proponha um projeto para o país.
Ao
discutir o Brasil, a Universidade, ela própria, também tem de ser discutida.
Alterada
em algumas de suas bases, a Universidade ficou mais bem equipada para cumprir
seu papel político e social? Creio que não.
Nas
universidades em geral, criaram-se Centros e Departamentos. Extinguiram-se as
Faculdades. As Faculdades tinham alma. Os Departamentos são etéreos.
O
curso seriado foi substituído pelo sistema de créditos. Destruiu-se aquele
coleguismo que se forjava na convivência, por vários anos, dos integrantes de
uma turma. A turma tornava-se uma pessoa moral, o que repercutia,
favoravelmente, tanto na personalidade do jovem, quanto na atmosfera social
onde essa “pessoa moral” marcava presença.
Acabou-se
com a cátedra. É certo que muitos catedráticos, depois da conquista do título,
supunham estar dispensados das tarefas didáticas. Penso que esse desvio ético
(supor que a cátedra fosse a láurea da preguiça) podia ser corrigido, pela via
acadêmica (corte de ponto do professor catedrático faltoso, da mesma forma que
se corta o ponto do modesto funcionário da limpeza faltoso). Não vejo que, para
coibir o abuso, o caminho devesse ter sido a supressão da cátedra.
Discutir
a Universidade e o ensino em geral, discutir a saúde pública, discutir o modelo
econômico, discutir a estrutura partidária, discutir o sistema eleitoral,
discutir o poder do interesse privado e do dinheiro nas eleições, discutir a
Justiça, discutir a intervenção cirúrgica no nepotismo e no afilhadismo,
discutir os tribunais de contas que devem prevenir a corrupção para terem o
direito de sobreviver, corrigir não as consequências dos males, mas os males na
sua origem e na sua força de contaminar o conjunto social – este é o grande
desafio.
João
Baptista Herkenhoff, 74 anos, Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá
de Vila Velha (ES) e conferencista. Autor do livro Dilemas de um juiz – a
aventura obrigatória. (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail:
jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
P.
S. – É livre a divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo.
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