sexta-feira, 15 de abril de 2011

Direitos Humanos: a responsabilidade dos intelectuais

João Baptista Herkenhoff

Creio que a Cultura tem um compromisso com a defesa dos valores humanistas. Penso que o escritor, o jornalista, o professor, o jurista, o profissional liberal, direta ou indiretamente, de forma aberta ou de forma sutil, tem, como missão de seu ofício, a afirmação da Ética e a denúncia de toda forma de opressão ou degradação do ser humano.

Sei que o tema é controverso. Vozes respeitáveis opõem-se a este posicionamento. Entretanto, o que expresso aqui é o que minha consciência aponta como sendo o caminho certo.

Os Direitos Humanos constituem uma conquista na longa e muitas vezes penosa caminhada da Humanidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é documento fundamental, como expressão desta caminhada. Mas não foi uma obra instantânea, nem foi produto de um círculo reduzido de pensadores europeus e norte-americanos. Muito pelo contrário, recepcionou um patrimônio de ideias construído, ao longo do tempo, por uma grande multiplicidade de culturas, embora não tenha ouvido plenamente todas as expressões anteriores de Humanismo.

De tudo se conclui que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto da mais alta relevância, mas não monopoliza os ideais presentes na História e no grito de Justiça de homens e mulheres, sobretudo daqueles que, por qualquer circunstância, se encontrem numa situação de opressão.

A ideia de Direitos Humanos é fundamental para a vida brasileira de hoje. Negações de humanismo estão presentes no nosso cotidiano: desde as grandes negações, como aquelas que marginalizam parcela ponderável do povo, até negações a varejo como, por exemplo, a ausência de atendimento médico urgente e adequado a pessoas em grave estado de doença.

Entendemos que sejam princípios cardeais de Direitos Humanos aqueles estatuídos pela Declaração Universal aprovada pela ONU e aqueles que constam de proclamações outras. Dentre estas podem ser citadas a Carta Universal dos Direitos dos Povos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. Essa enumeração não exclui a relevância de documentos que busquem, nas mais diferentes situações e lugares, afirmar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Do conjunto de documentos colhemos certas ideias que podem ser definidas como Direitos Humanos fundamentais. Dentre outros, arrolamos como Direitos fundamentais da pessoa humana os seguintes:

a) a dignidade de todos os seres humanos, sem exceção;

b) o sentido de igualdade de todas as pessoas e a recusa aos privilégios;

c) a exigência de condições sociais concretas que efetivem a igualdade, de modo que não seja uma promessa vã;

d) a proscrição de todos os preconceitos e exclusões;

e) a proscrição de todas as marginalizações sociais;

f) a proscrição da tortura e a afirmação dos direitos do preso;

g) a repulsa a todas as formas de escravidão;

h) o sentido de Justiça, na sua maior amplitude;

i) o direito de todos à proteção da lei, o direito de asilo, a condenação da prisão arbitrária e o reconhecimento do direito de acesso amplo aos tribunais;

j) o direito à privacidade e à inviolabilidade da correspondência, da honra, da família e da casa ou do lugar onde alguém se abrigue;

k) os valores democráticos;

l) a defesa da vida;

m) a liberdade de consciência, crença, expressão do pensamento, difusão de ideias sem sujeição a censura e todas as demais liberdades;

n) o direito dos povos a relações de Justiça, no campo internacional, com eliminação de todas as formas de opressão e colonialismo, inclusive colonialismo econômico;

o) os direitos das mais diversas minorias, no seio das sociedades globais;

p) o direito à educação e à cultura;

q) a dignidade do trabalhador e a primazia do trabalho como fator criador da riqueza;

r) a paz e a solidariedade internacional;

s) a fraternidade e a tolerância.

Estes são ideais conhecidos e rebatidos. Mas infelizmente esquecidos. Por esta razão devem ser relembrados e também partilhados com irmãos próximos ou longínquos, acima das tênues fronteiras confessionais.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia Cachoeirense de Letras, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e palestrante Brasil afora. Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio, 2010).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Nota de Pesar - Defensor de DH é assassinado em Tocantins

    28-Fev-2011                                      
É com o mais profundo pesar e a mais profunda consternação que o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) registra o assassinato, no Estado de Tocantins, do advogado Sebastião Bezerra da Silva, coordenador do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia (TO) e secretário do Regional Centro-Oeste do MNDH.
 
O corpo de Sebastião Bezerra da Silva, 40 anos, foi encontrado na madrugada desta segunda, 28 de fevereiro, na fazenda Caridade, em Dueré, sul do Estado.
 
Sebastião Bezerra da Silva foi torturado antes de ser morto e o assassino ou os assassinos tentaram enterrar apressadamente seu corpo.

Neste momento de dor e de pesar, o Movimento Nacional de Direitos Humanos vem solidarizar-se com a família de Sebastião Bezerra da Silva e com todos os seus companheiros do Regional Centro-Oeste do MNDH.


Desde o momento em que soube do acontecido, o MNDH vem acompanhando pormenorizada e intensivamente as informações a respeito do assassinato.
 
Confiamos que as autoridades policiais do Estado de Tocantins realizem um trabalho diligente na apuração dos fatos, e confiamos, igualmente, na transparência das investigações para que este crime contra um defensor dos Direitos Humanos não fique impune.


Brasília-DF, 28 de Fevereiro de 2011.

Coordenação Nacional do MNDH





terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Conselho Episcopal de Pastoral – 25ª Reunião Brasília – DF, 15 a 17 de fevereiro de 2011


P – Nº 0131/11

NOTA DA CNBB SOBRE ÉTICA E PROGRAMAS DE TV

Têm chegado à CNBB diversos pedidos de uma manifestação a respeito do baixo nível moral que se verifica em alguns programas das emissoras de televisão, particularmente naqueles denominados Reality Shows, que têm o lucro como seu principal objetivo.

Nós, bispos do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), reunidos em Brasília, de 15 a 17 de fevereiro de 2011, compreendendo a gravidade do problema e em atenção a esses pedidos, acolhendo o clamor de pessoas, famílias e organizações, vimos nos manifestar a respeito. Destacamos primeiramente o papel desempenhado pela TV em nosso País e os importantes serviços por ela prestados à Sociedade. Nesse sentido, muitos programas têm sido objeto de reconhecimento explícito por parte da Igreja com a concessão do Prêmio Clara de Assis para a Televisão, atribuído anualmente.

Lamentamos, entretanto, que esses serviços, prestados com apurada qualidade técnica e inegável valor cultural e moral, sejam ofuscados por alguns programas, entre os quais os chamados reality shows, que atentam contra a dignidade de pessoa humana, tanto de seus participantes, fascinados por um prêmio em dinheiro ou por fugaz celebridade, quanto do público receptor que é a família brasileira.

Cônscios de nossa missão e responsabilidade evangelizadoras, exortamos a todos no sentido de se buscar um esforço comum pela superação desse mal na sociedade, sempre no respeito à legítima liberdade de expressão, que não assegura a ninguém o direito de agressão impune aos valores morais que sustentam a Sociedade.

Dirigimo-nos, antes de tudo, às emissoras de televisão, sugerindo-lhes uma reflexão mais profunda sobre seu papel e seus limites, na vida social, tendo por parâmetro o sentido da concessão que lhes é dada pelo Estado.

Ao Ministério Público pedimos uma atenção mais acurada no acompanhamento e adequadas providências em relação à programação televisiva, identificando os evidentes malefícios que ela traz em desrespeito aos princípios basilares da Constituição Federal (Art. 1º, II e III).

Aos pais, mães e educadores, atentos a sua responsabilidade na formação moral dos filhos e alunos, sugerimos que busquem através do diálogo formar neles o senso crítico indispensável e capaz de protegê-los contra essa exploração abusiva e imoral.

Por fim, dirigimo-nos também aos anunciantes e agentes publicitários, alertando-os sobre o significado da associação de suas marcas a esse processo de degradação dos valores da sociedade.

Rogamos a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, luz e proteção a todos os profissionais e empresários da comunicação, para que, usando esses maravilhosos meios, possamos juntos construir uma sociedade mais justa e humana.

Brasília, 17 de fevereiro de 2011


Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana

Presidente da CNBBDom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus

Vice-Presidente da CNBB 
Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

 Terça-Feira, 25 de janeiro de 2011


16.01.11 - MUNDO

O amor incondicional contra a intolerância

Marcelo Barros *


Adital -


Há um ano, uma vasta região do Haiti era destruído por um terremoto que matou milhares de pessoas e deixou o país devastado. O Haiti, já secularmente vítima da dominação estrangeira e da corrupção política, agora, sofre mais ainda para se reerguer. De todas as imagens terríveis que feriram a sensibilidade das pessoas solidárias, certamente, uma das mais chocantes foi ouvir George Samuel Antoine, cônsul do Haiti, dizer na televisão que aquela tragédia tinha se abatido sobre o seu país como castigo divino porque o povo praticava o Vodu e tinha feito um pacto com o demônio para se tornar politicamente independente. Para aquele diplomata, o povo negro do Haiti só conseguiu se libertar da escravidão francesa e depois da dominação norte-americana porque se aliou ao demônio. A Teologia da Libertação descobre em todo verdadeiro processo de libertação o Espírito Divino está presente e atuante. Ao contrário, o sistema opressor parece insistir que é mais de Deus quem se deixa escravizar.

Ainda bem que, nestes dias, no Brasil, não surgiu ninguém que tente explicar com argumentos religiosos as inundações e tantas vítimas fatais de deslizamentos de morros no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Talvez no seio de suas congregações, ainda há pastores e mesmo um ou outro padre católico arautos de uma divindade capaz de assassinar pessoas inocentes somente para impor sua vontade e seus preceitos a uma humanidade descrente. De fato, pesquisas revelam: em um mundo inseguro e sem referências éticas claras, os movimentos religiosos que mais crescem são os mais fanáticos e fechados em seu dogmatismo. Eles agrupam principalmente jovens e pessoas carentes de segurança interior e institucional. Tanto grupos cristãos, como muçulmanos, judeus e hindus fundamentalistas pensam que Deus assinou um contrato de exclusividade com eles e só a sua religião, Igreja ou grupo detém a verdade e o direito de existir.

No Brasil, este tipo de fenômeno tem provocado discriminações e até perseguições a alguns grupos espirituais, como por exemplo, comunidades de tradição afro-descendente. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as tradições religiosas, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se pregam a intolerância e se combatem as religiões negras.

No início do ano de 2000, no Rio de Janeiro, Mãe Gilda, sacerdotisa do Candomblé, viu duas vezes o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neo-pentecostal. Estas invadiram o lugar e destruíram os assentamentos dos Orixás. E no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda viu estampada no jornal "A Folha Universal", uma foto sua com a legenda: "Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos clientes". Ao ver aquilo, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para que não se repitam mais fatos como este, em 2007, o presidente Lula assinou uma portaria determinando que, a cada ano, 21 de janeiro seja considerado o "Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa".

É claro que para acabar com a intolerância cultural e religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso transformarmos interiormente o processo da fé. Muitas confissões religiosas ainda confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Por isso absolutizam seus dogmas e tendem a se fechar em certo autoritarismo fundamentalista, inclusive as que parecem mais liberais. Daí, facilmente, se justificam conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 Igrejas evangélicas e ortodoxas, pediu às Igrejas uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.

Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade, mas uma graça divina e uma bênção para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que este diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro e se abrir ao que Deus nos revela, não somente a partir de nossa própria tradição, mas do caminho religioso do outro. Para esta abertura pluralista e para o diálogo daí decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: "Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Dêem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer" (1).


Nota:(1) AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João 26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l'Église32- dez. 1988, capa.


* Monge beneditino e escritor


terça-feira, 11 de janeiro de 2011


RECEPÇÃO AOS ALUNOS INICIANTES

João Baptista Herkenhoff

Doutor em Direito, Professor do CESV

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Os jovens são os interlocutores preferenciais de minhas idéias.

Publico livros. Os livros circulam em regiões longínquas do país e até no Exterior. Mas os livros não criam a possibilidade de diálogo como este que estou tendo com vocês, jovens. Ouvir pessoas, ouvir questões suscitadas, poder debatê-las com quem tem menos que o triplo de minha idade, isto é vivenciar o Direito.

Já o vivenciei como advogado, professor, promotor de justiça, juiz de Direito, militante dos movimentos sociais, na Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e agora como jurista, apresentando e debatendo as idéias de meus livros.

Queria dizer inicialmente que procuro ser fiel aos princípios éticos. Busco passar a visão de um Direito que sempre se pautou em perseguir os ideais de justiça, em defesa dos Direitos da pessoa humana e em defesa da ética. Esta é a visão do Direito que quero lhes transmitir.

O QUE É ISTO DE ENTRAR NUMA FACULDADE DE DIREITO, O QUE É SER ESTUDANTE DE DIREITO

O que é isto de entrar numa faculdade de Direito, ser um estudante do Direito?

Esta oportunidade constitui um privilégio e uma responsabilidade. Vocês, alunos de Direito, integram aquela minoria que tem acesso ao estudo universitário.

Vocês vão passar a ter imensa responsabilidade no futuro como operadores do Direito. Saibam que o povo tem fome e sede de justiça. Aqueles profissionais que deviam ser exemplo para o povo, nem sempre o são. Descaracterizam o próprio Direito e a justiça. Pessoas que deviam ocupar cargos públicos com ética, respeito e presteza não o fazem. Hoje lemos nos jornais que uma autoridade do poder judiciário, um juiz, está "em lugar incerto em não sabido", que se encontra foragido da Justiça, além de outros casos graves que envolvem juízes. Quem dera fosse essa a única autoridade a se envolver em escândalos.

Os operadores do Direito devem possuir um compromisso com a construção da cidadania e do país.



1. O que é o direito e qual o seu papel

O Direito pode ter um papel de legitimação do status quo, ou seja, das coisas como estão postas. Os pobres são torturados hoje, nas delegacias de polícia, e tantos de nós são surdos aos seus gemidos. Na época da ditadura militar, juristas produziram o AI 5 (Ato Institucional n. 5), que funcionou como uma "constituição" (com "c" minúsculo), durante todo o período do arbítrio. Que papel lastimável o dos juristas que escreveram o AI 5. Isto porque o jurista não pode ser alguém submisso, amesquinhando o Direito e legitimando a ditadura e a opressão. Os juristas devem lançar-se na luta por uma sociedade que respeite a pessoa humana. Os juristas devem ser corajosos, com a voz dos profetas, porta-vozes da justiça. Muitos nesta luta e por este compromisso tombaram, tornaram-se mártires. Neste sentido os juristas podem ter um papel importante, atores de um processo de transformação social, atores na construção de um novo mundo. Alguns não costumam aceitar essa posição, muitos operadores consideram que o Direito deve estar a reboque das estruturas político-sociais dominantes.

O Direito, a meu ver, é profecia, anúncio, tábua da justiça, força que se coloca a serviço dos oprimidos. Juízes, promotores, advogados, juristas devem observar isso.

2. Como estudar o direito

Importante dizer inicialmente que ninguém que passa por uma faculdade de Direito tem prejuízo. Pelo contrário, mesmo que não venha a exercer a profissão o simples estudo do Direito já é enriquecedor.

Como devemos estudar o Direito?

Estudar com planejamento, começar a estudar aquilo de que gosta, ler as coisas mais interessantes, fazer anotações, marcar palavras, textos, criar o hábito constante da leitura. Só se aprende e se gosta de ler, lendo. O hábito não se adquire num passe de mágica, é um processo, depende do esforço de cada um. Ter o gosto por algo implica uma procura. Se não experimento, não tenho a possibilidade de gostar. Se experimento e gosto, vou sempre querer mais.



3. Para gostar do direito - a importância do direito

Para gostar do Direito é necessário compreender sua importância. Não é só pelo emprego que se pode obter com o curso, ou pelo canudo que envaidece. Impõe-se compreender que o Direito tem um "algo mais", possui um grau de importância porque tem presença na vida social. Sociedades sem Direito seriam sociedades selvagens. Quem precisa do Direito são os fracos para se oporem aos fortes. O jurista Rui Barbosa defendeu em Haia, na Holanda, a igualdade jurídica das nações, ou seja, o Paraguai deve ter a mesma importância que os Estados Unidos da América no âmbito internacional. Pensar o Direito em face da desigualdade e da injustiça e lutar pela igualdade e pela justiça.

A BELEZA DO DIREITO E SUA PERTINÊNCIA COM A VIDA, O COTIDIANO, A CRISE DE NOSSO TEMPO

A beleza do Direito está em que a construção do raciocínio jurídico, a aplicação da lei deve fundar-se na busca da justiça. Direito é ciência, ciência social, não está dissociado da vida, do cotidiano, não está alheio à crise de nosso tempo. Não devemos ser amigos do rei, mas ratos a incomodar o rei, a morder os pés do rei. Se o rei estiver praticando a injustiça, vocês estarão do lado contrário.



4. O direito como instrumento de humanização

O Direito deve ser humanizado, deve exercer um papel humanizador, fazer com que as pessoas se sintam mais valorizadas. Temos de ver mulheres e homens como cidadãs e cidadãos e, mais ainda, como pessoas humanas.

Como bem disse Cândido Rangel Dinamarco, "o Direito deve ser instrumento de felicidade". O Direito deve ser instrumento de humanização e do nosso crescimento como pessoa.

5. O direito como poesia

O Direito pode ser poesia, os flashs da vida são poéticos. A poesia é o alimento do ser humano no itinerário da existência.

Finalizando, termino a aula e a resumo numa passagem de minha vida profissional.

Quando eu era juiz em Vila Velha, no Espírito Santo, certa tarde compareceu em minha Vara uma senhora grávida que estava presa havia vários meses porque fora encontrada com alguns gramas de maconha. Ela estava em adiantado estágio de gestação. Vendo aquela mulher pobre, grávida, desamparada, presa por um delito tão pequeno, eu senti uma profunda revolta. E então, na presença dela, ditei para a escrivã o despacho que a libertou:

A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna, que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade, quando pílulas anticoncepcionais, pagas por instituições estrangeiras, são distribuídas de graça e sem qualquer critério ao povo brasileiro; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm Direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.

Expeça-se incontinenti o alvará de soltura".

(Trecho extraído, na íntegra, do livro Para Gostar do Direito", do professor João Baptista Herkenhoff, e lido pelo palestrante, ao finalizar sua aula).

(*) Este texto foi produzido a partir da primeira aula dada pelo Professor João Baptista Herkenhoff, em agosto de 2000, para alunos do primeiro ano do Curso de Direito do CESV. A primeira versão - transformação da exposição oral em texto escrito - foi elaborada pelo Professor Paulo Roberto Rodrigues Amorim, para a disciplina "Atividades Complementares". Em seguida, o texto foi submetido ao autor, que fez correções e pequeninos acréscimos, mantendo, quanto possível, a fidelidade à aula original.

Homepage do Prof. João Baptista Herkenhoff:

http://www.joaobatista.direito.net

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010


NOTA PÚBLICA

As entidades abaixo assinadas, na defesa intransigente da promoção dos direitos humanos, especialmente pela esfera governamental, como imperativo ético-legal necessário à afirmação da dignidade humana em terras capixabas, vêm a público manifestar sua contrariedade em relação aos últimos anúncios feitos pelo Governador Eleito do Estado do Espírito Santo, a saber:

1 – A realização dos direitos humanos, tais como expressos na Declaração Universal, nos Pactos Internacionais, nas Declarações Interamericanas, na Constituição Federal e nas demais leis ordinárias, não se efetiva de outra forma senão por meio de políticas públicas estruturadas de maneira democrática e condizente com o tamanho do desafio que significa promover a vida;

2 – O Espírito Santo, histórica e lamentavelmente, tem se demonstrado como um Estado violador dos direitos humanos em diversas de suas dimensões. Isso significa possuir um enorme passivo no que se refere ao papel do Estado, particularmente quanto à garantia de direitos para a população mais violentada pelas condições sócio-econômico-raciais;

3 – Nesse sentido, ainda durante o período eleitoral, foi construído o documento intitulado PACTO PELOS DIREITOS HUMANOS, amplamente discutido com entidades de direitos humanos e exaustivamente apresentado para os candidatos ao pleito 2010. Neste documento, tentava-se consolidar em torno de 14 pontos, aquilo que seria a agenda prioritária para os Direitos Humanos no próximo Governo, com destaque absoluto para a questão da violência, do sistema de segurança e justiça e a causa da adolescência em conflito com a lei;

4 – Da mesma forma, ultrapassado o período eleitoral, conversas de representantes dos Conselhos de Direitos Humanos e dos Direitos da Criança e do Adolescente foram feitas com a Comissão de Transição do Governador Eleito no sentido da efetivação das medidas historicamente pugnadas pela sociedade civil capixaba e que se colocam de forma urgente para o próximo período;

5 – Estranhamente, contudo, as entidades são surpresadas com o anúncio das decisões tomadas pelo Governador Eleito e que contrariam o acúmulo de toda a discussão que se estabeleceu até aqui, e ainda mais, fere à essência daquilo que se quer construir em termos de política de direitos humanos e de atendimento socioeducativo;

6 – A decisão de reformular a Secretaria de Justiça e transformá-la em Secretaria de Gestão do Sistema Penitenciário e Medidas Sócioeducativas é reforçar o mais do mesmo. Tratar o sistema socioeducativo na mesma concepção e sob o mesmo olhar que o sistema prisional é aprofundar o caos experimentado nas Unidades de Internação e ignorar as diretrizes da Declaração dos Direitos das Crianças e Adolescentes, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Nunca é demais lembrar, que a UNIS encontra-se sob medida cautelar a que o Estado brasileiro responde junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em Washington (EUA) por tudo aquilo que tem significado para os adolescentes internos e a presente decisão, que será por nós comunicada à OEA, só agrava a situação;

7 – Da mesma forma, a decisão de reformular a Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social e transformá-la em Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos demonstra o pouco interesse pela promoção efetiva de ambas as políticas, tanto a de assistência, quanto a de Direitos Humanos. È preciso aqui ser enfático em afirmar que a Política de Assistência, tal como preceitua a Lei Orgânica da Assistência – LOAS e o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, é de complexidade tamanha a exigir uma estrutura própria. Reestruturar a SETADES, tarefa urgente e necessária, deve significar fortalecê-la com orçamento digno e com pessoal técnico efetivo e não somar a ela uma outra política tão complexa quanto, que é a de Direitos Humanos;

8 – Em nenhum momento foi por nós aventada a possibilidade de que a Secretaria de Direitos Humanos fosse um apêndice. Isso porque entendemos, assim como indica a construção do Sistema Nacional de Direitos Humanos, que promover políticas de garantia de direitos de crianças e adolescentes, da juventude, da igualdade racial, da igualdade de gênero, da diversidade sexual, da educação em direitos humanos, do combate à tortura e dos três programas de proteção a pessoas ameaçadas (PROVITA, PPCAAM e PPDDH) não é algo menor que se possa fazer dentro de uma Subgerência de uma Secretaria;

 9 – Nesse sentido, as entidades signatárias da presente nota pugnam para que estas decisões sejam revistas o quanto antes e que o Governador Eleito e sua equipe de transição estabeleçam com a sociedade civil organizada um diálogo permanente em nome do aprimoramento das políticas públicas e pelo fortalecimento da democracia capixaba;

Vitória/ES, 02 de dezembro de 2010.

CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS HUMANOS

CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS / ESPÍRITO SANTO

PASTORAL DO MENOR DA ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA

CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA SERRA – CDDH/SERRA

CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOD DE COLATINA – CDDH/COLATINA

CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE JOÃO NEIVA – CDDH/JOÃO NEIVA

CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE ATÍLIO VIVÁCQUA – CDDH/ATÍLIO VIVÁCQUA

CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM – CDDH CACHOEIRO

FÓRUM ESTADAL DE JUVENTUDE NEGRA DO ESPÍRITO SANTO – FEJUNES

sábado, 21 de agosto de 2010

o PROF.º. JOSÉ ANTONIO SOUTO SIQUEIRA
o Articulador da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência – FCD-ES
o Colaborador do Centro de Defesa dos Direitos Humanos “Pedro Reis” – CDDH-PR
o Conselheiro Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiências de Cachoeiro de Itapemirim

A circulação de pessoas, informações e mercadorias constitui uma das molas mestras do desenvolvimento econômico, social e humano. A história das sociedades potencializa seus movimentos transformadores na medida em que novos “links” são habilitados nas relações cotidianas da população, provocando diálogos e apropriação de conceitos pela via das vivencias e troca de experiências. Como no passado as estradas e máquinas conduziram a saltos de possibilidades para a humanidade, hoje o “Programa Ir & Vir ecoa em Cachoeiro de Itapemirim-ES como um marco significativo para realização dos direitos das pessoas com deficiências.

Vias, equipamentos e idéias que produzem acessos cotidianos como avenidas, calçadas e veículos diversos realizam na cultura os dados concretos da presença, ou da ausência para as relações e trocas entre as pessoas em seu dia-a-dia. Na ausência dessas esteiras condutoras da vida social as pessoas com deficiências viviam, (e muitos ainda vivem), uma epopéia desconhecida, enfrentando com suas cadeiras de rodas e muleta as calçadas inacessíveis e disputando o espaço das ruas com veículos que, por suas arquiteturas físicas e bases operacionais “humanas”, inviabilizam um embarque e desembarque digno e seguro. Na ausência do recurso vital do transportes surge o conflito entre o inalienável direito a presença nos espaços urbanos, que ratificam a cidadania, e os sacrifícios dos improvisos que levam a exclusão.

O “Ir & Vir” diário das pessoas com deficiências habilitado como serviço dentro do sistema de Transportes Coletivos Urbanos da Cidade é um sopro de direitos humanizantes que, conferindo visibilidade a uma parcela da população que antes não saia de casa, ampliam e incentivam outras conquistas sociais. Ônibus e vans adaptados com elevadores e outros recursos de acessibilidades simbolizam avanço de paradigmas de possibilidades sobre os rastros de negações que ainda impedem um desenvolvimento de pessoas. Se a modernidade evoluiu as técnicas e eficiências produtivas, o Programa Ir & Vir representa o momento em que os saberes resultantes devem também produzir acolhidas de direitos e autonomia da pessoa em sua diversidade de manifestações.